Resumo: Em O Capital, Marx nos alertou que a mercadoria tem um caráter misterioso que carrega “sutilezas metafísicas e argúcias teológicas”. Este artigo tenta decifrar um pouco desse mistério buscando decodifica-lo naquilo que denominamos como a estranha objetividade do valor. Para isso, analisamos a relação entre a ideologia e o valor a partir da crítica marxiana à mercadoria, consignada à lógica de Hegel. Vemos que o valor se constitui como razão ontológica da mercadoria enquanto produto do processo de trabalho que carrega uma racionalidade imanente, isto é, um espírito socialmente produzido que se objetiva à medida que é vivenciado pelos indivíduos como uma lógica social que rege as relações nesta sociedade. Isso se dá por meio de “sutilezas metafísicas” na formação da realidade social marcada por contradições estabelecidas entre, de um lado, o conteúdo objetivo das relações sociais, e de outro, a forma como essas relações são vivenciadas pela consciência na sociedade capitalista. Nesta relação entre conteúdo e forma, encontramos determinações de profundidade ontológica entre o valor e a ideologia, enquanto forma social que opera harmonizando as contradições constituintes da realidade social, a exemplo do que acontece no trabalho assalariado. A mediação ideológica se põe como uma progressão imanente à materialização da vivência concreta da relação entre capital e trabalho no salário, de maneira a naturalizar a exploração que se esconde na estranha objetividade do valor que se realiza na troca de mercadorias. Concluímos que a conexão ontológica entre o ser social e a mercadoria é socialmente ubíqua, precisamente por conta do seu caráter ideológico na formação da sociabilidade a partir do processo de trabalho subjugado ao capital. Palavras-chave: Valor. Ideologia. Trabalho, Capital. Salário. Abstract: In Capital, Marx warned us that the commodity has a mysterious character bearing "metaphysical subtleties and theological insights." This article attempts to decipher a little of this mystery by decoding it into what we call the strange objectivity of value. For this, we analyze the relation between ideology and value from the Marxian critique of the commodity, consigned to the Hegelian logic. We see that value is constituted as the ontological reason of the commodity as the product of the labor process that carries an immanent rationality, that is, a socially produced spirit that is objectified as it is experienced by the individuals as a social logic that governs the relations in this society. This is done through "metaphysical subtleties" in the formation of social reality marked by contradictions established between, on the one hand, the objective content of social relations, and on the other, the way in which these relations are experienced by consciousness in capitalist society. In this relationship between content and form, we find determinations of ontological depth between value and ideology, as a social form that operates by harmonizing the constituent contradictions of social reality, as in wage labor. Ideological mediation is seen as an immanent progression to the materialization of the concrete experience of the relation between capital and labor in wage, in order to naturalize the exploitation that is hidden in the strange objectivity of the value that is realized in the exchange of commodities. We conclude that the ontological connection between the social being and the commodity is socially ubiquitous precisely because of its ideological character in the formation of sociability from the labor process subjugated to capital. Keywords: Value. Labor. Ideology. Capital. Wage. REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W. Teoria Estética. [Asthetische Theorie]. Tradução de Artur Morão. – São Paulo : Livraria Martins Fontes, 1988. ADORNO, Theodor W. 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