Há atualmente um debate interdisciplinar profícuo sobre a noção de sofrimento social (social suffering). Pensadores e pensadoras como Barrington Moore Jr., Emmanuel Renault e Rahel Jaeggi desenvolvem o assunto a partir de um pressuposto elementar: sofrimento social diferencia-se de sofrimento individual na medida em que as causas do primeiro não são naturais (desejos básicos insatisfeitos, doenças, catástrofes naturais), mas resultam do agir humano; e, mais ainda, não resultam tanto de relações interpessoais imediatas, mas de relações sociais mais amplas, como a guerra, a pobreza, a exploração etc. No artigo Schopenhauer e a sociedade, Horkheimer afirmou que “no intransigente nominalismo de Schopenhauer em relação à sociedade estriba a raiz de sua grandeza” (p. 47). Para o pai da Teoria Crítica, a acepção schopenhaueriana de que apenas os indivíduos e o curso de suas vidas são reais, enquanto os povos são meras abstrações, não implicaria contrapor a sociedade e o Estado à pessoa singular ou esta àqueles. A sociedade se origina e se transforma a partir de indivíduos socialmente vinculados; o indivíduo não é uma ilha. Com essa chave de leitura, Horkheimer, como discípulo herético, consegue destacar e valorizar em Schopenhauer o aparato social da noção metafísica de sofrimento. O objetivo deste artigo é (i) mostrar em que medida a diferenciação entre sofrimento individual e social estaria implicitamente indicada em Schopenhauer e (ii) até que ponto a leitura de Horkheimer sobre o nominalismo de Schopenhauer em relação à sociedade permitiria sugerir elementos schopenhauerianos para os debates contemporâneos sobre sofrimento social.