Zero à esquerda reúne artigos, entrevistas e intervenções produzidos por Paulo Arantes entre 1997 e 2003. Pensada originalmente como fecho para a coleção homônima dirigida por ele e Iná Camargo Costa na editora Vozes, a obra acabou sendo saindo pela coleção “Baderna”, da editora Conrad, em 2004. Trata-se também da primeira safra de ensaios publicados depois que Arantes se aposentou formalmente na universidade – fato que para Roberto Schwarz marca o início de uma “segunda carreira”, mais incisiva e audaciosa, do autor.
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O trocadilho do título já indica a posição impertinente que atravessa a obra: uma recusa tanto do baluartismo da boa e velha esquerda quanto do pragmatismo do novo progressismo de resultados. Os artigos de abertura e fechamento do livro dão o tom do impasse histórico contra o qual o autor se debate. Se o primeiro diagnostica o apagão da era tucana e, com ele, o eclipse da tradição crítica brasileira, o último procura dar conta da conversão suicida do recém empossado governo Lula ao fundamentalismo da ortodoxia econômica. Mergulhamos assim num mundo invertido em que o centro cada vez mais parece a periferia, o discurso marxista aparece como instrumento da classe dominante e a ameaça destrutiva à ordem não vem de baixo mas de cima. Levando a sério a constatação de que esquerda já não conta mais com “a bússola das palavras ‘significativas’ que lhe permitiam balizar o caminho da emancipação”, o livro se dedica a repensar do zero (à esquerda) o que significa fazer crítica da ideologia em pleno regime de “pensamento único”. Aliás, emenda o autor, recapitulando as reformulações pelas quais teve que passar o marxismo ocidental para atinar com as singularidades da nossa dinâmica periférica, a um só tempo arcaica e moderna de nascença, recomeçar do zero é conosco mesmo.
Diante da hegemonia de um imperialismo de novo tipo, ancorado no solo movediço da emissão do dinheiro mundial, desde 1971 lastreado em nada além do puro poderio militar, os ensaios disparam tanto contra os apologetas da globalização quanto contra o mote da formação nacional incompleta. A aludida ausência de referenciais fixos imposta pelas circunstâncias se faz sentir na vertigem da escrita, que articula questões aparentemente díspares como a brasilianização do mundo, o elo entre experiência intelectual e imaginário nacional, a gramática empresarial das ONGs, a atualidade do Manifesto Comunista e de maio de 1968, a recepção brasileira da obra de Marcuse, o sentido dos termos utopia e revolução hoje, a estetização do dinheiro, a espetacularização da instituição artística e a “individualidade sitiada” do sujeito-consumidor no capitalismo de imagens. Na filigrana, vai sendo atualizado para o capitalismo do século XXI o diagnóstico frankfurtiano de uma sociedade sem oposição em que a “realidade converte-se em ideologia de si mesma”. Afinal, o que resta para a esquerda uma vez que o desenvolvimento das forças produtivas engoliu, junto com a sociedade do trabalho, o próprio horizonte evolutivo que animava não só o positivismo dos liberais como a dinâmica de luta de seus antagonistas socialistas? A resposta, é claro, fica por conta do leitor.
(Resenha de Artur Renzo)
Palavras-chave: brasilianização; globalização; comunidades imaginadas; nacionalismo; nação; Benedict Anderson; Herbert Marcuse; Jürgen Habermas; Ernst Bloch; Robert Kurz; Slavoj Žižek; 1968; FHC; Lula; arte contemporânea; ONG; Banco Mundial; sociedade do risco; utopia; revolução; crítica da ideologia; fetichismo; imperialismo; Tradição Crítica; pensamento único; pensamento paulista; utopia; revolução.