Resumo: Ana Cristina Cesar, em Luvas de Pelica (1980)1, mostra-nos um tipo singular de dicção íntima em que a finalidade do segredo é desativada, e uma mistura de diário de viagem, cartas e anotações pessoais é transformada em um espaço de deriva poética, no qual a posição do sujeito torna-se matéria de literatura. Há neste texto uma outra possibilidade de entendimento do que poderíamos chamar de “âmbito íntimo”, já que aqui, a intimidade acaba ganhando um estatuto diferente daquele da clausura, característico de décadas anteriores. Sabemos que nesta obra, Katherine Mansfield e Virginia Woolf são referenciadas, mas, em que medida a obra de um outro autor moderno, James Joyce, poderia dar uma nova luz à escritura de Ana Cristina? Joyce abordou de maneira intensa a temática da intimidade em seu livro Ulysses (1922), não somente através de cartas, mas também de um fluxo de consciência, em que a matéria corporal corre “junto” ao que nos é apresentado textualmente. Levando em conta o trabalho de problematização da instância íntima realizado por Ana C., haveria em Luvas de Pelica uma espécie de tonalidade joyceana refletida em seu corpus textual? Este trabalho pretende desbravar este tema, apontando para possíveis relações entre as estratégias de escrita de Ulysses e de Luvas de Pelica, a fim de descobrir pontos em comum que possam iluminar ainda mais a poética da escritora carioca.Palavras-chave: Ana Cristina Cesar; James Joyce; Intimidade; Feminino.Abstract: Ana Cristina Cesar, in Luvas de Pelica (1980), shows us a singular type of intimate diction in which the purpose of the secret is deactivated, and a mixture of travel diary, letters and personal notes is transformed into a space of poetic drift, in which the subject’s position becomes a matter of literature. There is in this text another possibility of understanding what we could call “intimate sphere”, since here, intimacy ends up gaining a different status from that of enclosure, characteristic of previous decades. We know that in this work Katherine Mansfield and Virginia Woolf are referenced, but to what extent could the work of another modern author, James Joyce, shed new light on Ana Cristina’s writing? Joyce intensely addressed the theme of intimacy in his book Ulysses (2012), not only through letters, but also through a stream of consciousness, in which the body matter of the character runs “along” with what is presented to us textually. Taking into account Ana C.’s problematization of the intimate instance, would there be in Luvas de Pelica a kind of Joycean tone reflected in her textual corpus? This paper intends to explore this theme, pointing to possible relationships between the writing strategies of Ulysses and Luvas de Pelica, in order to discover common points that can further illuminate the poetics of the writer from Rio de Janeiro.Keywords: Ana Cristina Cesar; James Joyce; Intimacy; Feminine.